terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Misticismo

- Me atormenta esse misticismo provinciano.

- Por que o dizes?

-Ora, não percebes? Aquele verdureiro que nos abordou agora a pouco, por exemplo. Desejei-lhe sucesso nos negócios e ele me responde com um “Se São José quiser!”

- E qual é o problema?

- Que dessa maneira esse povo nunca irá progredir. Nunca alcançarão o brilho e a prosperidade das capitais. Essa crendice exacerbada só os atrasa.

- Pensei que fosses religioso.

- E o sou! Mas mesmo São José sabe que sem muito esforço não se vai a lugar algum. Estou falando de mais do que pensamento positivo. Falo de intrepidez, firmeza de espírito!

- Mas isso já é característica desse povo. Não tendo esperanças, agarram-se no oculto para continuar sobrevivendo.

- E é justamente essa falta de esperança que me irrita. Pode parecer coisa pouca, mas esse tipo de atitude é quase um atestado de incapacidade!

- Não seja tão severo... – Naquele momento, o rapaz da capital teve as mangas de sua blusa elegante puxadas delicadamente pelas mãos grossas e sujas de um menino. Suas roupas de pano não condiziam com sua situação de pedinte, tendo um requinte, uma feição manual. Os rapazes não perceberam, mas era vigiado por um homem também mal cuidado que se sentava no final da feira com uma garrafa de cachaça na lisa mão direita.

- Ei doutor! Me dá um trocado.

- Veja, provarei o meu ponto. Venha cá rapazinho.

- O que é? Eu não roubei nada!

- Calma. Calma. Não estamos te acusando de nada. Só quero te perguntar algumas coisas. Por que você pede dinheiro? Sua roupa não é de toda ruim. Parece nova, e bem cuidada.

- Meu pai gasta todo o dinheiro que minha mãe ganha na costura com cachaça. Ela disse que eu tenho que ganhar dinheiro senão não tem jantar.

- E por que ela não faz nada? – Perguntou, exaltado, o rapaz que teve a manga puxada, passivo até então. Era filho de mãe desquitada e acreditava fortemente nos direitos femininos.

- Ela já tentou de tudo – A essa altura, o rapazinho já tinha o rosto molhado de lágrimas – “O que eu posso fazer?” ela diz.

- Muitas coisas! Mas essas atrocidades não podem continuar.

 - Ela já pediu ajuda até mesmo pro padre.

- E o que ele disse?

- Disse que esse é o destino que Deus escolheu.

 Um grito grave vindo do fim da avenida alertou o garoto, que sem sequer se despedir, correu rua a dentro, sumindo na multidão que povoava a feira. Ainda perplexos, após alguns segundos que mais pareceram décadas, o rapaz repetiu, num tom muito mais piedoso:

- Me atormenta esse misticismo provinciano.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Tom & Jerry


Pobre mafalda. E pensar que as crianças que a leram são hoje os adultos que não movimentam um braço pra tirar do ar essa programação que de tão repetida já cansou a todos. Havia me decidido a não falar sobre guerras e essas coisas que todos já estão fartos de ver nos jornais, mas achei realmente necessário fazer uma nota. 
Alguns se sentiram até ofendidos em textos anteriores quando comparei o ser humano a um animal. De fato, sou obrigado a me retratar. Comparar a atitudes animalescas o que só a brutalidade racional do homem é capaz de causar seria infantilidade. Esse tipo de atitude só comprova que o homem por si só não será nunca capaz de atingir patamares divulgados por uma minoria de homens iluminados. Não vou entrar em méritos religiosos ou afins, mas é muito mais que decepcionante para aqueles que ainda mantém um resquiço de lucidez - Ou então, inocência animal - perceber a incapacidade humana de se espelhar nos bons exemplos. Sejam eles homens como Ghandi, Sidarta, Jesus, ou ainda, símbolos cômicos mas não menos válidos como a própria Mafalda.
E isso só me leva a indecisão no que diz respeito a comparar ou não o ser humano a um ser irracional. O homem que se diz tão inteligente, tão capaz, vive por milênios com a mesma atitude, sem nunca ter aprendido uma vírgula do que todos esses citados tentaram ensinar, se pondo apenas a repetir que qualquer tipo de solução proposta é"Impraticável". A conclusão do assunto, então, é que enquanto o homem não for racional o suficiente para aprender dos seus próprios exemplos, estaremos fadados a assistir décadas seguidas de Tom & Jerry no teatro que o mundo se tornou.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O suicídio do Rock

Sim, MAIS um blog. Pensei em nomes diferentes, tentei ressucitar alguns antigos, copiar alguns bons amigos, mas nada parecia servir. Por fim, nada me pareceu mais simples e honesto do que o meu próprio nome, afinal, o que mais é um blog do que um monumento ao narcisismo literário? Pois bem, aqui poderão encontrar um pouco de tudo que faz parte da minha vida. Ainda falando dos nomes, a idéia original havia sido " O bardo ". Mas logo desanimei ao ver o número imenso de blogs com alcunhas parecidas. Mas seria um bom nome, pois expressa tudo que pretendo postar aqui. Portanto, ao me visitar, lembre-se que verá tudo que o que a palavra bardo poderá lhe trazer a mente. Ou não. Não vou me dar ao trabalho de explicar detalhe por detalhe. Agora, vamos ao tema citado, que satisfaz o significado mais recorrente para "bardo". A música.

Segundo Muddy Waters, quase 60 anos atrás, o Blues teve um filho e o chamaram Rock'n Roll. Na década atual, como você já deve ter lido em inúmeras outras fontes, o atestado de óbito finalmente foi emitido. O Rock morreu. Mas diferente do que essas mesmas fontes falaram, não houve outro assassino a não ser ele mesmo.
O suicídio do Rock é evidente. A depressão profunda que resultou na sua auto-destruição não foi de data recente, mas foi percebida por poucos. O filho primogênito de um dos ritmos mais influentes e tradicionais do século perdeu a sua principal característica de modo degenerativo, lento e doloroso. O rock deixou de ser original.
Surgido como uma disparidade quase imperceptível no som de grandes ícones, como o próprio Muddy, Chuck Berry e outros Bluesmans e artistas negros mais desconhecidos, deu seus primeiros passos independentes - Passos bem largos por sinal - junto com o Skiffle inglês, trazendo à luz os dois maiores nomes da música do século passado. Logo, o Rock diferenciou-se fortemente dos seus pais. O garoto era irreverente. Tinha uma incrível capacidade de criar e se modificar. Era inovador.
O rock crescia e logo mostrava que se tornaria um gigante sem precedentes - e garanto que essa será a minha única afirmação impassível de contestação. Era imitado e recriado por todos. British Rock, Surf Rock, Folk Rock, Rock psicodélico, progressivo, Glam Rock, Hard, Punk. Sons que, para qualquer desavisado, só tem duas coisas em comum: O nome, obviamente, e a capacidade de inovação. Durante 20, 30 anos de vida o garoto nunca parou. Crescia e misturava-se para se tornar algo novo, mas nunca deixando de ser o Rock.
Encantando multidões, como não podia deixar de ser, o jovem prodígio gerou dinheiro. Muito dinheiro. Não, o suicídio não foi por motivos financeiros, antecipo-me antes dos comentários de certos seres impertinentes. É possível que um ritmo, mesmo tão complexo como o rock, continue em pé após a influência do mercado, sem perder sua independência e criatividade. Os Beatles que o digam.
Após 2 décadas magníficas que vieram após o fim do grupo dos garotos de Liverpool, o Rock demonstrava seus primeiros sinais de cansaço. O público pedia mais, entretanto, o sangue criativo que deu origem ao fenômeno não corria mais em suas veias. Por fim, encontramos os culpados. Acuso, sem medo de retratação: O público, desde então se contentando com pouco, agradando-se e comprando uma anomalia sem criatividade que ousaram chamar de Rock; E o artigo original, por sua vez, que não fez a única coisa que se esperava dele desde que nasceu: Inovar. Ouvimos a quase uma década um mesmismo repugnante, sem capacidade de renovação. São poucos os sonhadores que ainda tentam ressucitar o cadáver, que suicidou-se ao ver-se sem saída, deixando o caminho livre para que cópias fajutas assumissem seu posto.
É triste ver uma criatura tão fascinante acabar assim. Aqueles que, assim como eu, não se conformam com isso - Sim, faço parte dos poucos sonhadores ali citados - não serão capazes de trazê-lo de volta a vida, mas talvez possamos usurfruir o pouco que restou de sua criatividade e beleza. Daqui a alguns anos, poderemos falar com orgulho do nosso eternamente jovem rock'n roll, que estará, seguramente, em qualquer lugar destinado aos bons esquecidos que um dia brilharam no nosso mundo musical.

Espero que tenham gostado. Com o passar do tempo, vou tentar largar um pouco esse jeito cisudo, formal, mudar para algo mais adequado para um blog. Seus comentários são bem-vindos e vão ajudar muito. Até a próxima ^^